O mundo da tecnologia tem um ciclo no mínimo curioso. Uma tendência é identificada e passa por um momento em que só se fala dela, mesmo que os casos reais sejam pouquíssimos (ou inexistentes). É quase um desejo de que aquilo realmente funcione.
Nessa fase, costumamos ver projeções apontando para crescimentos exponenciais, alimentando o FOMO (fear of missing out) e levando muita gente a entrar nessa onda. E quando grandes investimentos começam a ser feitos, os problemas aparecem. Nota-se que a implementação não será tão simples, e vem um período de desencanto com a tecnologia.
No meio desse cenário de terra arrasada, porém, aqui e ali surgem sinais de renascimento. A infraestrutura evolui e passa a viabilizar aquela ideia, ou o conceito passa por uma releitura e passa a ser visto sob uma lente diferente. Com muita frequência, só percebemos bem depois que aquela ideia inicial está muito presente entre nós.
É o que já está acontecendo com o conversational commerce.
Quando surgiu a ideia de “fazer compras conversando com máquinas” (uma tradução bem ampla para o conceito), os grandes impulsionadores do que ainda era um sonho foram os dispositivos de voz domésticos, como a Alexa e o Google Home. Rapidamente, fazer compras simplesmente pedindo para um desses aparelhos deixou de ser coisa dos Jetsons para se tornar algo próximo de se tornar realidade.
Da ideia para a vida real, porém, o caminho é cheio de obstáculos. O fato é que, dessa forma, o conversational commerce ainda não pegou, por diversos motivos:
- Os dispositivos de voz, até muito recentemente, funcionavam com base em scripts, o que limita as conversas;
- A integração com o e-commerce é bem mais complexa do que o esperado;
- Questões relacionadas à privacidade e à segurança das informações criam barreiras consideráveis ao uso em grande escala;
- A ideia desse tipo de compra é estranha demais para uma parcela imensa da população;
- Os dispositivos de voz não estão suficientemente presentes no dia a dia das pessoas.
Difícil ganhar escala com todos esses fatores limitantes. O que não significa que a ideia do conversational commerce não tivesse futuro – só era preciso fazer uma releitura do conceito.
Essa releitura veio com a conjunção de dois fatores que estavam fora da equação inicial do conversational commerce. O primeiro é a presença massiva dos smartphones: o Brasil hoje tem cerca de 1,2 aparelho por habitante, em um total de 258 milhões de smartphones em uso. O celular é a primeira tela de entretenimento, a comunicação com o mundo, o banco, o shopping center, o centro da vida digital das pessoas.
O segundo aspecto atende pelo nome de IA Generativa. É a peça que faltava nesse quebra-cabeças: com ela, a comunicação deixa de acontecer por meio de scripts e se torna mais natural, quase como se o sistema tivesse consciência de como atender cada cliente. “Quase”, porque, na prática, o que a IA Generativa faz é imitar padrões com muita eficiência.
O que já é suficiente, por exemplo, para transformar os bots. Atualmente, segundo o Mapa do Ecossistema Brasileiro de Bots, existem 164 mil bots em operação no mercado brasileiro, com crescimento de 14% em relação a 2023. Os robôs de conversação realizaram em média 705 milhões de sessões por mês, ou uma média de 4,3 mil atendimentos por bot a cada 30 dias.
Entre 2023 e 2024, subiu de 63% para 77% o percentual de desenvolvedores de bots que dizem que o WhatsApp é o canal que tem mais robôs em operação. Considerando que o app está presente em 98% dos smartphones no Brasil e marca presença na tela de abertura (home screen) de 50% dos aparelhos, o roteiro do crescimento do conversational commerce fica bem claro.
O WhatsApp está incorporado ao dia a dia do relacionamento com o cliente. Segundo o ranking 300 Maiores Empresas do Varejo Brasileiro, da SBVC, 99 das varejistas líderes do nosso mercado realizam vendas pelo WhatsApp. O número mais difícil de obter é a presença do “Zap” em todo o varejo nacional, mas uma coisa é clara: o uso do aplicativo como canal de relacionamento e vendas é amplo e crescente.
O conversational commerce é, hoje, uma troca de mensagens cada vez mais automatizada entre as empresas e os clientes. O próximo horizonte nessa trajetória é permitir que os clientes enviem áudio explicando o que querem – e a própria IA “ouvirá” essa mensagem, fará a interpretação e tomará a atitude adequada.
Antes que isso aconteça, porém, a experiência de uso da IA Generativa conectada ao WhatsApp precisará ser consistente e sem falhas, oferecendo uma experiência de compras excepcional. Por enquanto, poucos podem dizer que chegaram a esse nível – mas é inegável que, de uma forma diferente da que esperávamos no passado, o conversational commerce já está entre nós.