O mês de janeiro traz um item praticamente obrigatório na agenda do varejo: ir à NRF Big Show em Nova York. Navegar pelo evento, conhecer tecnologias e soluções, ouvir palestras e então fazer um filtro do que de fato se conecta ou não com os desafios e realidades do varejo brasileiro é uma experiência incrível. Organizar o turbilhão de ideias e conceitos em alguns insights que possam ser aplicados no nosso mercado, então, passa a ser super prazeroso – e um desafio que encaro com gosto ao lado do meu sócio na BTR-Varese, Alberto Serrentino.
O mais interessante desse desafio é saber que nem tudo o que passa pela NRF Big Show chega ao varejo brasileiro, mas tudo o que chega ao varejo brasileiro passa antes pela NRF Big Show. Descartar o que é moda passageira ou tecnologia fora do alcance do nosso mercado para ficar somente com o que vai impactar a estratégia e a operação é um exercício necessário e que todo varejista deveria fazer.
Na minha visão, de tudo o que a NRF Big Show trouxe em suas 178 sessões de palestras e mais de 1.000 estandes na Expo, os 6 insights mais importantes são os seguintes:
1) Retail resilience / A Resiliência do varejo
Nos últimos cinco anos vivemos fortes emoções: pandemia, aceleração da digitalização, problemas na cadeia de suprimentos, guerras… uma verdadeira montanha russa. Ainda assim, o varejo tem se mostrado muito resiliente, capaz de superar esses obstáculos e se adaptar aos novos tempos.
Nos Estados Unidos, o varejo manteve um ritmo de crescimento na casa de 3,5%, ano após ano, impulsionado pelo online. Dados do eMarketer apontam que as vendas online devem crescer quase 10% ao ano até 2025, quando responderão por 24,5% do varejo local. Sinal de que o atual ciclo de transformações ainda tem fôlego. O saldo de aberturas e fechamentos de lojas nos Estados e Unidos e no Brasil também mostra está “Resiliência”, em 2022 o varejo americano fechou 1.680 lojas mas abriu 7.860 e no primeiro semestre de 2023 (dados do 2º semestre ainda não fecharam ) fechou 3.420 contra 5.080 aberturas. (dados da NRF ). No Brasil as 300 maiores empresas do varejo brasileiro tiveram um saldo positivo de abertura de lojas em 2022 de 4.259 unidades (dados da SBVC ).
Por outro lado, o varejo nunca esteve tão heterogêneo. Nos últimos anos algumas empresas foram muito bem e outras foram muito mal, com certeza impactadas pelas mudanças na tecnologia, no atendimento ao cliente, nas cadeias de suprimentos e nos hábitos de consumo. A jornada de compras continua mudando – e o futuro é de ainda mais complexidades, desafios e mudanças.
2) AI Explosion / A explosão da IA
O novo catalisador dessas mudanças atende pelo nome de Inteligência Artificial. Somente no Brasil, os gastos com IA vão crescer 33% este ano e superar R$ 1 bilhão, segundo a IDC. Mas estamos ainda no início desse ciclo: levantamento da KPMG mostra que 72% dos CEOs consideram prioritário investir em IA, mas 84% dos varejistas (segundo a Linx) ainda não usam a tecnologia.
A agenda de IA nas empresas de varejo é prioritária. Fazer essa agenda acontecer, porém, depende de alguns pré-requisitos, como a cultura e as competências do negócio, a arquitetura de tecnologia e a organização dos dados. Estamos vivendo, em IA, um momento como tivemos no início do omnichannel, em que todo mundo queria fazer, mas era necessário repensar infraestrutura, pessoas e dados. Hoje, menos de 1% dos dados são analisados e se transformam em benefícios para os negócios, segundo a SAP. Portanto, esse é um processo muito longo. A NRF 2024 foi quase um evento sobre IA dada a relevância deste tema para o varejo em 2024.
3) Unmanned Retail / Varejo hiper automatizado ou robotizado
Robôs e mais robôs estiveram nos estandes da Expo da NRF, nas mais variadas modalidades e aplicações. Com isso, atividades muito operacionais e mecânicas estão sendo transferidas das pessoas para os robôs. A Universidade de Oxford estima que, nos países desenvolvidos, 47% dos empregos serão transferidos aos robôs nos próximos 10 anos, mas vagas em outras áreas serão criadas.
Esse é um ponto em que o mercado brasileiro terá uma curva de adoção bastante diferente, uma vez que por aqui a mão de obra é mais barata e a tecnologia, bem mais cara que nos EUA. Vale uma ressalva importante: automatizar o que é ineficiente só amplia as ineficiências. Por isso a busca atual por eficiência operacional como um pré-requisito para usar melhor os recursos de automação. O varejo vem buscando cada vez mais eficiência e redução de suas despesas operacionais e esta agenda cai como uma luva para atender esta demanda que traz competividade para as empresas.
4) Content driven commerce & retail media / Varejo orientado por conteúdo e retail media
As lojas físicas estão se transformando em espaços de produção e transmissão de conteúdo, uma vez que as fronteiras entre conteúdo, entretenimento e varejo são cada vez mais fluidas. Plataformas de mídia têm se tornado plataformas de comércio, e os marketplaces se transformam em empresas de mídia.
Para vencer no mundo da retail media, o varejo precisa fazer uma virada de chave cultural e organizacional, que é deixar de ser um negócio orientado a produto para passar a ser focado em dados. As empresas de maior sucesso na próxima década serão aquelas com mais capacidade de atrair, reter, engajar e capturar valor dos clientes. As empresa de varejo entenderam que possuem 3 ativos extremamente estratégicos: suas bases de clientes que podem servir para campanhas junto a marcas e parceiros, suas lojas que se tornam cada vez mais vitrines de produtos e marcas e seus e-commerces que no processo de busca por produtos e serviços dão destaques a determinadas mídias.
Além disso notamos uma importante mudança na jornada de compra do consumidor, antes orientada por necessidade e busca e agora iniciada por conteúdo e desejo.
5) Store as a hub / Loja hub
A loja física continua sendo um elemento fundamental na jornada dos clientes, como um hub de serviços, omnicanalidade e experiências. Não se trata de abrir ou fechar lojas, e sim de como aproveitar bem os pontos de venda para engajar e capturar clientes dentro de um modelo de negócios renovado, que olha o cliente em todos os pontos de relacionamento.
As lojas devem ser vistas pelo varejo como um alimentador de dados para o negócio – especialmente levando em conta que mais de 85% do varejo brasileiro acontece no mundo físico. Afinal, a loja gera engajamento e as pessoas querem ter mais experiências gratificantes nas lojas. Mas só terá vida longa aquela loja com relevância, que seja replicável, escalável, consistente e de alta eficiência.
6) 3D Leadership / Liderança em 3 dimensões
Por fim, vale destacar o papel da liderança em três agendas muito estratégicas, que se tornam determinantes para o sucesso do negócio no médio e longo prazo. A primeira é a continuação da digitalização do negócio, que se transformou em uma agenda de otimização do negócio potencializada pela IA. A segunda é a agenda de resultados: é necessário ter foco em crescimento, lucratividade, liquidez e clientes – o que não se encaixa nesses pontos pode ficar para depois.
Por fim, a agenda de sustentabilidade continua tendo um papel essencial, pois os negócios estão mudando e incorporando recursos como a revenda de produtos, a circularidade, a energia limpa e a reciclagem. No varejo, sustentabilidade passou a ser uma frente de negócios, com impacto mensurável e metas claras. O equilíbrio destas três dimensões é absolutamente o segredo para o sucesso de um modelo de liderança duradoura e que gera valor.
A NRF Big Show mostrou que o varejo continua em transformação acelerada. Para os empresários e executivos do setor, acompanhar as mudanças e engajar colaboradores e clientes em torno da cultura do negócio é essencial para evoluir e manter a relevância.